sábado, 15 de agosto de 2015

O Que as Drogas Recreativas Estão Fazendo Com a Nossa Saúde Mental?


O Que as Drogas Recreativas Estão Fazendo Com a Nossa Saúde Mental?
maio 1, 2015
Da coluna 'O GUIA VICE PARA SAÚDE MENTAL'

Arte por Nick Scott.

As drogas podem foder com o seu cérebro. Elas botam as pessoas pra baixo, pra cima, jogam de lado. Seja um beck depois do trabalho, uma bolinha para animar na balada ou uma carreira que transporta para um mundo espacial alienígena, as substâncias psicoativas oferecem aos cidadãos do planeta Terra uma fuga temporária da vida cotidiana.

Milhões usam. Mas para aqueles que não estão se sentindo muito bem consigo mesmos, a sedução dessa fuga narcótica pode ser maior. E, infelizmente, esse próprio santuário ativado pela química pode piorar a saúde mental da pessoa.

As evidências da via de mão dupla entre as drogas e doenças mentais estão por aí, nos periódicos científicos. E também estão bem na nossa frente. Muitos de nós têm amigos que tiveram problemas psiquiátricos causados pelo consumo de drogas legais e ilegais. No entanto, se você quer saber a verdade sobre o relacionamento entre as drogas e a saúde mental, é preciso seguir um rumo cauteloso no meio de toda a groselha.

O avô da hipérbole "droga enlouquece" é Harry J. Anslinger, comissário do serviço de Narcóticos dos EUA nos anos 30, que fez uma campanha feroz contra a cannabis. Ele alertava as pessoas: "Passe um mês fumando cigarro de maconha e o que um dia foi seu cérebro vai se tornar um nada, apenas um depósito de espectros horrendos". Pode parecer piada, mas esse tipo de falácia formou o modelo para muito do que os jornais mais lidos da Grã-Bretanha publicaram sobre o assunto na última década. E se quer saber, alguns dos fanáticos que se colocaram no lobby pró-cannabis alegando que toda maconha é absolutamente inofensiva estão igualmente desconectados do mundo real.

Mas a correlação existe. Números do governo britânico mostram que cerca de um terço das pessoas diagnosticadas com doenças mentais consumiram drogas no último ano – três vezes mais que a média nacional. Três quartos das pessoas atendidas em serviços de tratamento ao dependente químico tiveram algum transtorno psiquiátrico no último ano.

As drogas e as doenças mentais se entrelaçam em uma dança complexa que só recentemente começou a ser decifrada pelos cientistas. O estigma que há muito tempo gira em torno dessas questões faz com que a investigação sobre a interação das duas e sobre como uma pode levar à outra ainda esteja engatinhando.

Rachel lembra de se sentir infeliz desde que a família se separou, quando ela tinha três anos. Ela escreveu o seguinte no diário depois das primeiras experiências com cetamina, aos 14 anos de idade: "Desencadeei toda uma nova inteligência dentro de mim, deixei de ser uma estudante solitária e frustrada e passei a ser uma princesa de conto de fadas". Hoje aos 30 anos, ela diz que, embora as drogas tenham amenizado a depressão, alteraram sua vida de forma fundamental. "Minha cabeça não ficava quieta por conta própria e as drogas me acalmavam. Eu ficava menos triste e tinha menos raiva. Eu saía, trabalhava, brincava, vivia e estava feliz. Mas meu cérebro ainda estava se desenvolvendo. Para mim, o mundo longe das drogas é muito chato e sem graça – nada se compara aos ápices de usar drogas quando eu estava passando da infância à idade adulta".

Por ser a droga ilegal mais consumida, muito da pesquisa sobre drogas como causa ou catalisador de doenças mentais se concentrou na cannabis. Enquanto milhões de usuários da droga não são afetados, a pesquisa descobriu que existem grupos com mais probabilidade de desenvolver problemas psiquiátricos que outros.

Alguns já saem na desvantagem antes de dar o primeiro tapa na pantera. Usuários de cannabis com casos de depressão ou esquizofrenia na família têm mais risco de terem essas doenças desencadeadas pelo consumo da droga do que aqueles sem histórico. Os cientistas acreditam que existe um gene, o AKT1, que deixa a pessoa bem mais suscetível a desenvolver psicose se consumir cannabis do que outra sem o AKT1.

Estudos demonstram que jovens que começam a fumar maconha antes dos 15 anos têm quatro vezes mais probabilidade de desenvolver alguma doença psicótica do que não usuários. Isso porque, na adolescência, o cérebro ainda está se desenvolvendo. Como explicado pela Faculdade Real de Psiquiatria: "Um imenso processo de poda está acontecendo, como se estivesse aerodinamizando um quiproquó intricado de circuitos para fazê-los funcionar de forma mais eficaz. Toda experiência ou substância que afete esse processo tem o potencial de produzir efeitos psicológicos a longo prazo".

Depressão é um dos desfechos possíveis. Um estudo com 1.600 crianças australianas de 14 e 15 anos ao longo de sete anos descobriu que aqueles que consumiam cannabis todo dia tiveram cinco vezes mais chance de desenvolver depressão e ansiedade até o fim do estudo. Embora não haja provas suficientes para afirmar que os adolescentes diagnosticados com depressão têm mais propensão ao uso da maconha, há muitas provas de que adolescentes que sofrem com altos níveis de estresse estão mais propensos a ter um consumo problemático.

A mídia exagera muito para falar da força e dos perigos da poderosa maconha do tipo skunk que hoje domina o mercado (um jornal afirmou que "um trago já pode causar esquizofrenia"). Mas a droga está sim causando problemas. Um estudo da King's College de Londres com 780 pessoas no Hospital Maudsley, no sul da capital britânica, descobriu que, em comparação com quem nunca experimentou maconha, os usuários diários de cannabis tipo skunk aumentaram em cinco vezes o risco de psicose.

Insight, um serviço de apoio a usuários com dependência química entre 11 e 24 anos, fica a alguns quilômetros do Maudsley. O assistente social Anthony Steward observa um aumento no número de adolescentes, principalmente jovens envolvidos com o crime, que procuram ajuda apresentando sintomas como paranoia e ansiedade por causa de uma "fixação com cepas superfortes de cannabis".

Estudos demonstram que jovens que começam a fumar maconha antes dos 15 anos têm quatro vezes mais probabilidade de desenvolver alguma doença psicótica do que não usuários.

"Estão usando Amnesia, LSD e Sour Diesel, fumando o dia todo. Até a música que escutam fala de ficar chapado de skunk. Um menino acha que está recebendo mensagens subliminares através das propagandas na TV. Veremos um grande aumento nos índices de doenças mentais entre jovens por causa da skunk".

Os efeitos psicológicos de curto prazo das drogas podem ser poderosos e cumulativos. Uma rodada pesada de consumo de álcool deprime o sistema nervoso e faz com que as pessoas se sintam deprimidas. Quanto mais você bebe, mais deprimido fica. Usuários de fim de semana de estimulantes, como ecstasy e cocaína, sentem uma caída no meio da semana, uma baixa de humor provocada por estimular ou "fritar" demais os receptores do cérebro. Quanto mais você usa, mais hiperestimulado fica o cérebro e mais frágil o seu estado mental. Isso faz com que tenha gente que fica calculando demais as coisas, enxergando significados onde não há e suspeitas desnecessárias. Para lidar com isso, as pessoas usam mais drogas e o nó do emaranhado fica ainda mais apertado.

Não surpreende que os organizadores do Festival de Glastonbury contratem enfermeiros psiquiátricos para ficar de plantão no evento há três décadas. Todo ano, aumenta o número de pessoas no festival que sofrem com algum problema mental no evento e precisam passar dois ou três dias se recuperando em uma unidade psiquiátrica. De vez em quando, tem gente no Glastonbury que precisa ser internada compulsoriamente.

O doutor Niall Campbell, consultor psiquiátrico do Hospital Priory em Roehampton, no sudoeste de Londres, já atendeu uma longa fila de pessoas marcadas por cicatrizes mentais pelo consumo de drogas. Às vezes, os efeitos podem ser temporários, mas não menos assustadores. Um adolescente que o médico atendeu tinha ficado tão apavorado com a imagem recorrente d'O Grito de Edvard Munch(depois de mordiscar a raiz de um cogumelo mágico) toda vez que fechava os olhos que acabou desenvolvendo transtorno do estresse pós-traumático. O menino quase teve que trancar a faculdade por causa disso, mas as visões uma hora desapareceram. Para pavor de outras pessoas, esses efeitos, segundo o doutor Campbell, podem ficar "ligados" para sempre.

"Tenho um paciente que trato há 12 anos. Ele estudou na mesma escola que meu filho e sempre fumou bastante, desde novo. Ele foi encaminhado para mim depois de ser expulso porque as notas estavam ruins por causa do fumo", conta. "O problema era que, na mente dele, todo mundo no mundo inteiro, fosse um caminhoneiro ucraniano ou um bosquímano do Kalahari, sabia o que estava se passando na cabeça dele." O paciente parou de fumar há 12 anos, entrou com medicação para aliviar os sintomas, foi para a faculdade e hoje trabalha na empresa do pai. "Mas todos os caras da fábrica na China para onde ele vai a negócios sabem o que ele está pensando. Ele não consegue ter um relacionamento com uma mulher porque ela sabe o que ele está pensando. Ele está preso em um estado de paranoia e vai ficar assim para sempre, e isso o assusta."

A grande maioria dos usuários de drogas, mesmo se tiver uma bad trip ou sofrer com efeitos psiquiátricos de curto prazo, não desenvolve doenças mentais crônicas pelo consumo de drogas. No entanto, o vício – uma forma diagnosticada de doença mental – pode muitas vezes ser o precursor que contribui com problemas psiquiátricos.

Perguntei a Liz Hughes, enfermeira psiquiátrica que escreve para o blog Mental Elf e é professora de saúde mental na Universidade de Huddersfield, quais os fatores que podem ser o pontapé para tirar a pessoa do consumo normal e colocá-la em um tipo de uso que pode levar a uma doença mental. "Imagine o que chamo de 'balde de estresse'", afirma a especialista. "Se já estiver quase cheio, talvez com uma vulnerabilidade genética às drogas e bullying na escola, e você colocar drogas no balde, vai transbordar. Mas algumas pessoas começam com um balde vazio e podem tomar muitas drogas antes de ficarem doentes."

Ela explica que, se o consumo de drogas está afetando seu cotidiano e você não consegue trabalhar, comer, dormir ou socializar direito, pode ser um sinal de que está se desenvolvendo uma doença mental. "A doença psiquiátrica é difícil de administrar quando se manifesta", afirma Liz. "É melhor prevenir."

A ligação de psicodélicos como o LSD, a mescalina e a psilocibina (ingrediente ativo dos cogumelos mágicos) com colapsos nervosos é registrada desde os anos 60. Mas um estudo publicado no periódico científico Natureem março descobriu que pessoas que usam essas drogas não correm um risco maior de desenvolver problemas de saúde mental como esquizofrenia, psicose, depressão, transtornos de ansiedade e tentativas de suicídio.

Drogas estimulantes, como cocaína e mefedrona, estão associadas à diversão e a chapar, mas estão cada vez mais sendo consumidas da mesma forma que a heroína e o crack foram usados com frequência em gerações passadas, como ferramentas de escapismo negativo, para apagar sentimentos que as pessoas não querem ter.

O doutor Owen Bowden-Jones é responsável pela Club Drug Clinic CNWL, um serviço para pessoas que consomem drogas de balada e as novas substâncias psicoativas (NSP). Ele atende pacientes com níveis elevados de depressão, ansiedade, estresse pós-traumático e psicose ligado ao consumo de drogas. O problema que mais cresce na clínica está relacionado à mefedrona.

"Com a mefedrona, estou atendendo pessoas com psicose temporária – paranoia, sentimentos de perseguição e alucinações auditivas. A psicose da mefedrona hoje é mais comum que a psicose do crack na nossa clínica. Se você estimula o seu sistema de recompensa do cérebro sem parar com uma droga estimulante como a mefedrona, todos os transmissores do bem-estar, como a dopamina, ficam escassos, então você acaba com uma experiência de vida insossa e baixo astral crônica. Uma forma de mudar isso é tomar mais mefedrona, o que leva ao risco do desenvolvimento de um círculo vicioso."

Se o consumo de drogas está afetando seu cotidiano e você não consegue trabalhar, comer, dormir ou socializar direito, pode ser um sinal de que está se desenvolvendo uma doença mental.

Em novembro, a chefe da fundação de saúde mental de Camden, distrito de Londres, afirmou que as novas substâncias psicoativas tinham levado à ocupação de tantos leitos em unidades psiquiátricas que alguns pacientes tiveram que ser enviados para outro condado, Somerset, para receber tratamento. Enquanto isso, marcas de canabinoides sintéticos como Spice e Black Mamba estão devastando os serviços de apoio ao dependente químico e as cadeias britânicas. Os presos começaram a importar substitutos da maconha, mais potentes que a cannabis normal, para dentro dos presídios porque não são detectadas no exame toxicológico. Mas muitos detentos acabam precisando de atendimento psiquiátrico por causa das drogas.

"Spiceophrenia", estudo sobre canabinoides sintéticos publicado na Human Psychopharmacologyem 2012, conclui: "Os canabinoides sintéticos podem desencadear o ataque de psicose aguda em indivíduos vulneráveis e a exacerbação de episódios psicóticos naqueles com histórico psiquiátrico".

Apesar do perigo, as drogas possuem, de fato, potencial de melhorar o funcionamento cognitivo. Podem ajudar na memória e na concentração e serem usadas para o tratamento de doenças psiquiátricas como a depressão, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e a ansiedade em pacientes com câncer. Antes do MDMA se popularizar como droga recreativa, já era usado nos anos 70 por centenas de psicólogos norte-americanos junto de psicoterapia e análise. Estudos médicos sobre os efeitos positivos do MDMA mostram que a droga tem potencial para ser usada no tratamento da ansiedade e do TEPT.

A forma como as pessoas são afetadas psicologicamente pelo consumo de drogas é, no fim das contas, uma questão muito individual. Segundo o doutor Dr. Bowden-Jones: "As pessoas usam drogas ou para ter sensações que não têm normalmente na vida ou para apagar sentimentos indesejados". Vai ter gente que vai se automedicar, mas é um jogo difícil: o antídoto pode virar o próprio veneno.

Até certo ponto, a reação tem a ver com a capacidade inata de consumir uma determinada substância. Cada droga afeta cada pessoa de uma forma diferente. Mas o mais importante é que isso está intrinsecamente ligado ao motivo pelo qual as pessoas começam a usar drogas. "Eu pergunto o que a pessoa espera quando usa uma droga", diz Liz Hughes. "Se ela está tentando fugir de alguma coisa ou mascarar sentimentos negativos, já acende o sinal de alerta. Porque em vez de ser um alívio temporário, o consumo da droga pode contribuir para um problema oculto."

@Narcomania

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